terça-feira, 13 de novembro de 2012

Dante Milano e Petrópolis [Quarteirão Brasileiro - I]


o bairro Quarteirão Brasileiro, em Petrópolis, na verdade poderia se denominar “Quarteirão do Poeta Brasileiro” – pois nele morou Dante Milano, que lá faleceu ; e nele reside, desde 1967, e até hoje, Fernando Py.
quase que lado em lado, em duas belas casas repletas de livros,poesia,literatura (no caso de Milano, também esculturas, outra das expressões – ocultas -- de seu talento ) ,e sobretudo  um modus de produzir arte do mais fino quilate.
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                                                                             [ Dante Milano, por Portinari

Dante Milano (Rio de Janeiro,1899- Petrópolis,1991),considerado por Drummond "um poeta de extraordinária qualidade",mas acrescentando “que não tem a mínima popularidade. Se você perguntar a um estudante quem é Dante Milano, ele não sabe.; se perguntar quais são os melhores poetas brasileiros, ele não inclui Dante Milano. A popularidade então não tem a menor importância” , é quase clandestino na literatura brasileira : poucos o conhecem, pouco se escreve sobre ele – talvez por causa de sua própria natureza, avesso ao "rumor de falsa glória", que preconizava "só o silêncio é musical"( convidado e incentivado a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras, jamais aceitou)..Segundo o poeta e crítico Ivan Junqueira, “Dante Milano cultiva uma poética do pensamento emocionado, como o fizeram os chamados ‘poetas metafísicos’ ingleses do século XVII, o que não significa que sua expressão haja renunciado à emoção. Quem nele sente, porém, é o pensamento (...)” Publicou seu primeiro e único livro, Poesias, somente aos 49 anos, em 1948 :  sua poética não abriga expansões de lirismo – há emoção, mas o sentimento parece refreado pela rédea do pensamento lógico. Lírica de pensamento por excelência, a obra poética milaniana apresenta, como temas centrais, a vida, sua pujança  vis a vis com sua fugacidade : o amor  para  Milano não é o “amor vulgar dos homens”, e sim “a coisa mais só,mais funda, mais infinita”,  o amor milaniano é um amor sem objeto, não dirigido a uma determinada mulher, a amizade  sendo  tão  vívida e relevante quanto o amor.
Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Jorge de Lima e Carlos Drummond de Andrade, entre outros, souberam compreender e apreender o significado dessa poética, que influiu, direta e indiretamente, nos rumos trilhados pela poesia brasileira nos últimos 50 anos,.Dante Milano foi, ainda que  à revelia de si mesmo, um dos grandes nomes da poesia brasileira do século XX.
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Descobrimento da poesia

Quero escrever sem pensar.
Que um verso consolador
Venha vindo impressentido
Como o princípio do amor.

Quero escrever sem saber,
Sem saber o que dizer,
Quero escrever uma coisa
Que não se possa entender,

Mas que tenha um ar de graça,
De pureza, de inocência,
De doçura na desgraça,
De descanso na inconsciência.

Sinto que a arte já me cansa
E só me resta a esperança
De me esquecer do que sou
E tornar a ser criança.

Vida

A vida
Fingida
Me chama
Me beija
Me foge
Me engana

Eu amo
Eu sofro
Eu fujo
Eu volto
Eu choro
Depois
Me revolto

Eu ando
Eu paro
Eu penso
Eu esqueço.

A partida

Chego à amurada do cais,
Tomo um trago de tristeza.
Vem uma aura de beleza
Entontecer-me ainda mais.

Sinto um gosto de paixão
Dentro da boca amargosa.
Vem a morte deliciosa
Arrastar-me pela mão.

Vou seguindo sem olhar,
Vou andando sem rumor,
Ouvindo a vaga do mar
Bater na pedra da dor.

Vou andando sobre o mar,
Quem sabe onde irei parar?
Vou andando sem saber
Aonde me leva este amor.

Saudade do tempo

Saudade do tempo
Do tempo passado,
O tempo feliz
Que não volta mais.

Deus queira que um dia
Eu encontre ainda
Aquela inocência
Feliz sem saber.

Mas hoje que eu sei
De toda a verdade
Já não acredito
Na felicidade,

E quando eu morrer
Então outra vez
Pode ser que eu seja
Feliz sem saber.

A busca

Amor é a coisa mais só,
Mais funda, mais infinita.

Não o amor vulgar dos homens,
Sujo de sangue, de terra,
Amor sujo que dá nojo.

Não este cheiro de sangue,
Gosto de boca e de dor,
Gosto de terra, de carne,·
Amor sujo que dá nojo.

Amor, amor sem objeto,
Que anda à procura do amor.

Gruta

No fim do mundo
Há uma gruta,
Casa de pedra,
Cama no chão
De terra fresca,
Dormir na terra.
Deus me dê sonhos ...
O corpo quieto
Na terra fresca
Na doce gruta.

Divertimento

Acariciar a água de um rio
E sentir-lhe o estremecimento
Da pele, o fundo calafrio.
Eu distraído mas atento
Pensando .. , em quê? Sério, sorrio...
Oh secreto divertimento.

A mão desenhando um afago,
Traçando arabescos que invento,
Carícias no ventre do lago,
Círculos...círculos... em lento
Gesto, na água onde escrevo e apago ...
Oh absorto divertimento.

Seus cabelos com seus segredos
Em minhas mãos; e os acalento
Alisando os crespos folhedos,
O que toma o olhar sonolento.
Seus cabelos entre meus dedos...
Oh sombrio divertimento.

À amiga

Amiga sempre respeitada,
Amizade nunca manchada

Por algum intento banal,
Amor alvar, paixão sensual, .

Nós dois vigiando, fiéis amigos,
As palavras e seus perigos, .

Os gestos e seus entusiasmos,
As emoções e seus espasmos,

Pondo bem alto a nossa estima
E a gentileza que a sublima.

Quando alguém me chamar dizendo:
"A tua amiga está morrendol"

Eu irei postar-me a teu lado
E ao ver teu rosto inanimado,

No instante em que nada direi,
Eu que não rezo, hei de rezar,

Eu que não choro, vou chorar,
Eu que não amo, te amarei!

Ao tempo

Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,
Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida

A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando

Tempo, vais para diante ou para trás?

Glória morta

Tanto rumor de falsa glória,
Só o silêncio é musical. Só o silêncio,
A grave solidão individual,
O exílio em si mesmo,
O sonho que não está em parte alguma.
De tão lúcido, sinto-me irreal.

Imagem

Urna coisa branca,
Eis o meu desejo.
Urna coisa branca
De carne, de luz,

Talvez uma pedra,
Talvez uma testa,
Uma coisa branca.
Doce e profunda,

Nesta noite funda,
Fria e sem Deus.
Uma coisa branca,
Eis o meu desejo,

Que eu quero beijar,
Que eu quero abraçar,
Urna coisa branca
Para me encostar
E afundar o rosto.
Talvez um seio,
Talvez um ventre,
Talvez um braço,

Onde repousar.
Eis o meu desejo,
Uma coisa branca
Bem junto de mim,

Para me sumir,
Para me esquecer,
Nesta noite funda,
Fria e sem Deus.

Paisagem

Talvez um fauno de expressão selvagem
Atormentado de uma dor lasciva
Por um aroma que passou na aragem,
Uma ninfa cor de água fugitiva.

Mais do que na memória evocativa
Esses seres existem na paisagem.
Algum fauno de outrora ainda se esgueira
Entre sombras e troncos, à procura

De uma nudez, e olha, tateia, cheira
Um vestígio de carne, sonho e alma...
Que desejos cruéis, quanta tortura
Nesta paisagem luminosa e calma.

Separação

Onde andarás sem mim nessas ruas enormes?
Quem te acompanha? Quem contigo ri?
Sob as mesmas cobertas com quem dorme
Quem te ama senão eu? Quem pensa em ti?

Vagas sem ter aonde ir e sem saber
O que fazer, ou sem prazer nenhum
Em mãos alheias como um bem comum
A outro te entregas sem lhe pertencer.

Estou pensando em ti...
Pensar é estar sozinho...

Elegia a Lígia

Lígia, teu nome de elegia
Te dá ao corpo moço um ar antigo
E cria em meu ouvido lento ritmo
Que me arrasta o absorto espírito
Para o verso e sua inútil tortura.

 Torso de ânfora esguia!
Só o que amou deveras um quadro, um vaso, um objeto precioso,
Pode sentir o relevo suave do teu ventre,
Corpo de mulher,
Forma antiga e novíssima.

Perdoa aos poetas que te desnudam, te divinizam, te prostituem.
Em meus versos inteira te possuo.
Que importa a fêmea que se nega?
Transformada em poema,
Amo-te ainda mais!
Ajoelho agarrado a teus joelhos,
Não com palavras de fé
Mas impudente e irreverente
Profanando mas adorando
A tua imagem desfigurada.

Poema do falso amor

O falso amor imita o verdadeiro
Com tanta perfeição que a diferença
Existente entre o falso e o verdadeiro

É nula. O falso amor é verdadeiro
E o verdadeiro falso. A diferença
Onde está? Qual dos dois é o verdadeiro?

Se o verdadeiro amor pode ser falso
E o falso ser o verdadeiro amor,
Isto faz crer que todo amor é falso

Ou crer que é verdadeiro todo amor.
Ó verdadeiro Amor, pensam que és falso!
Pensam que és verdadeiro, ó falso Amor!

Salmo perdido

Creio num deus moderno,
Um deus sem piedade,
Um deus moderno, deus de guerra e não de paz.

Deus dos que matam, não dos que morrem,
Dos vitoriosos, não dos vencidos.
Deus da glória profana e dos falsos profetas.

O mundo não é mais a paisagem antiga,
A paisagem sagrada.
Cidades vertiginosas, edifícios a pique,
Torres, pontes, mastros, luzes, fios, apitos, sinais.
Sonhamos tanto que o mundo não nos reconhece mais,
As aves, os montes, as nuvens não nos reconhecem mais,
Deus não nos reconhece mais.

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